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  • Foto do escritorLilian Primi

Ainda pensando no sentido das coisas


Com a história da incrível Nellie Bly pulsando na mente, (leia o post "Nós, Mulheres"), decidi (re)ler ícones do jornalismo. Comecei por Hunter Thompson, inicialmente querendo voltar ao livro que bagunçou minha cabeça na adolescência, Hell's Angels: medo e delírio sobre duas rodas. Esbarrei porém em Reino do medo, (Companhia das Letras, 2007) autobiografia escrita no estilo jornalismo gonzo que o fez ser respeitado no mundo todo e idolatrado pelos colegas. Além de bagunçar minha cabeça, claro. Hunter era um mestre no estilo, mas não foi ele quem inventou este tipo de narrativa, como acreditam alguns. Confusão básica. Era tão bom, que passa facilmente por inventor.

Organizado com ajuda do filho Juan no final da vida, o livro foi publicado em 2003 e reúne em ordem cronológica, antigas reportagens, cartas e trechos de conversas entremeadas por lembranças e material inédito. Está tudo lá, de brigas com editores, bicos em puteiros e porres homéricos até os bastidores da sua campanha para xerife. Incluindo o advogado que, de forma providencial, o acompanha por todo lado desde seu romance de estreia, sem que jamais ficasse claro se é real ou se trata de um álter ego do autor. E, claro, muito álcool, sexo, drogas e R&R.

Devo admitir que este clima que imperou nos anos 70 e tornou-se doce memória na minha geração soa um tanto datada e sem sentido hoje. Fosse ele o mais genial dos jornalistas, sua postura diante do mundo seria inaceitável hoje. O mais chocante é a forma como trata sua "assistente". Tem nome, mas fica (o nome da moça) tão irrelevante que a gente simplesmente esquece. Não dá para saber se se trata da mesma pessoa durante todo o tempo, mas fica claro que entre suas atribuições, estava a de diverti-lo nas horas vagas.

Assim, à distância no tempo, percebo com certa decepção, que o que despertou minha atenção - e bagunçou minha alma adolescente - não foi o jornalismo de Hunter, mas a exposição dos cantos sombrios da sociedade, e isso é, em termos bem gerais, o que sempre me atraiu na profissão; a possibilidade de vasculhar, conhecer, entender o que quer que seja. Depois do surgimento da horda de nóias do crack e das gangues evoluírem para milícias, tudo devidamente "instagrameado", no entanto, o universo libertariamente retratado por Hunter ficou perdido no passado.

O jornalismo de Hunter no final, não é assim tão diferente do que praticava Lucien, (*Ilusões Perdidas - H. Balzac), triste personagem que encarna o cinismo e a hipocrisia que imperava na corte decadente da Europa do século 19, um cenário que muitos acreditam envolver a gênese da imprensa tal como a conhecemos. Assim como Lucien, Hunter usou o jornalismo para se lançar como escritor. E assim como Lucien, o jornalismo que praticava tinha seus interesses como pano de fundo.


Em 2005, Hunter Thompson se matou com um tiro na cabeça em sua casa, onde estavam também seu filho, nora e neto.


A próxima biografia da lista é Minha Razão de Viver, de Samuel Weiner.

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