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  • Foto do escritor: Lilian Primi
    Lilian Primi
  • 7 de jan. de 2023
  • 3 min de leitura

Sempre gostei de escrever e quando criança, amava os diários. Não pelo caráter secreto do relato, no entanto. O que me atraía era escrever todo dia. Este exercício, que depois se tornou parte da minha profissão, é a única forma que encontrei para organizar o pensamento e, então, acalmar a alma. Muitas vezes me vi incapaz de dizer o que me ocupava a mente, de forma articulada e minimamente compreensível. Talvez venha daí o hábito, que é um patrimônio da família Primi, como diz minha cunhada, de usar "coisa" para substituir termos, nomes ou variáveis que me escapam no meio da conversação. Minha resposta à cunhada é que este "é o nosso jeitinho de fomentar o pensamento lógico do interlocutor", que vai precisar fazer um exercício de lógica para compreender o que estou falando. Nunca houve quem não entendesse.

Este diário que se inicia hoje tem por objetivo organizar a tsunami de informações que venho reunindo desde 2013, quando ingressei no mestrado, sem muita metodologia. A ideia é manter um repositório de dados contextualizados e devidamente creditados, nucleares aos conteúdos das referências bibliográficas, e que em muitas ocasiões me levaram a viagens imaginárias fantásticas. Praticamente inúteis, porém. A escolha da imagem para o logo - uma gravura do periódico O Brasil Ilustrado, lançado em 1887 no Rio de Janeiro * - é uma referência à essa criatividade falsamente inútil. Trata-se de uma das muitas publicações ilustradas que surgiram no final do século 19 no Brasil e que tem como subtitulo "arquivo de conhecimentos úteis". Na definição dos seus criadores,

"...um modesto arquivo de conhecimentos úteis, isto é: consagrado à boa lição de tudo quanto pode instruir recreando, especialmente em relação às coisas pátrias, à história, geografia, uso, costumes, flora, fauna, paisagem e obras de arte do Brasil, como esboça este primeiro número". (FERREIRA, Félix. Brasil Ilustrado, Rio de Janeiro, n. 1, p. 3, 1887)

Tania Regina de Luca, que analisa e nos traz as gravuras* deste periódico no artigo O Brasil Ilustrado (1877-1878) e Félix Ferreira: Conhecimentos úteis em prol da Nação, (Revista de História (São Paulo), núm. 179, a07918, USP- 2020) explica que foi impossível definir com exatidão a data de início, periodicidade, preço de capa e fim desta publicação, que era encadernada depois na forma de livro. Este tipo de publicação resistiu até bem pouco tempo, sob o nome de fascículos. Coleções com temas determinados, formato que serviu para a publicação desde grandes enciclopédias (a Conhecer, da Abril, por exemplo) até coleções de revistas infantis (Recreio, também da Abril) e os mais variados manuais. A Editora Três era fértil em fascículos, de variados assuntos e funções. Cheguei a escrever para alguns deles, principalmente nos fascículos sobre criação de peixes em aquário. Nos anos de 1990, já em franca decadência mesmo antes do aparecimento do Google, foram usados pelos grandes jornais para alavancar a venda das edições de domingo: vinham encadernados junto com o jornal, como brinde.

No século 19, os assinantes os entregavam aos editores, que juntavam os fascículos e descartavam as páginas iniciais, onde constavam essas informações. Este diário, da mesma forma, provavelmente não terá atualizações todo dia, como diz o título, pelo que desde já me desculpo. Mas garanto que será um registro fiel e digno dos esforços e do caminho que sigo nesta empreitada, a de entender o mundo em que vivo.


*Brasil Ilustrado, vinheta que identificava a seção Belas Artes (Brasil Ilustrado, n. 1, p. 7, 1887) (no alto da página).

NA GALERIA ABAIXO: reprodução da capa do invólucro do segundo número do Brasil Ilustrado (Brasil Ilustrado, n. 2, 1887, invólucro não numerado). primeira página do número inaugural do Brasil Ilustrado (Brasil Ilustrado, n. 1, p. 1, 1887); Ilustração de texto literário com capitular e inserção que ultrapassa os limites tipográficos. Brasil Ilustrado, n. 11, p. 170; Segunda página interna do invólucro do segundo número do Brasil Ilustrado Brasil Ilustrado, n. 2, 1887, invólucro não numerado; Representação cartográfica do Atlântico Sul Brasil Ilustrado, n. 5, p. 69, 1887; stampa relativa a indígenas brasileiros Brasil Ilustrado, n. 10, p. 148, 1887. FONTE: Biblioteca Nacional


  • Foto do escritor: Lilian Primi
    Lilian Primi
  • 6 de jan. de 2023
  • 3 min de leitura

Atualizado: 11 de jan. de 2023

Pensando no sentido das coisas, como me sugeriu o professor Leonardo, fiz uma rápida pesquisa sobre a origem do jornalismo, mais precisamente do repórter. A busca inicial e genérica abriu algumas rotas de fuga, perigosamente atraentes:

A primeira: a profissão tem uma gênese difusa, e varia conforme o conceito que o formulador tem dela. Há quem aponte Homero como primeiro repórter, autor de Ilíada, um relato de 51 dias da guerra de Troia, que seria a primeira reportagem conhecida (Emile Boivin, La Histoire du Jornalisme - 1949). É preciso considerar que Ilíada é na verdade, poesia, e também que há dúvidas sobre a autoria e mesmo sobre a existência real de Homero. Ele teria vivido por volta do século VIII a.C. na Jônia (atualmente, região da Turquia).

Voltando ao exercício proposto pelo professor Leonardo, de "pensar no sentido das coisas", o primeiro veículo impresso a se autodenominar "jornal" logo no título foi o Journal des Sçavants (Jornal dos Sábios), de Jean-Baptiste Colbert, ministro de Estado de Luís XIV. O Rei Sol, provavelmente ancestral dos marqueteiros. Segundo a Wikipédia, é a "mais antiga revista científica da Europa" ... publicada em Paris pela primeira vez em 5 de janeiro de 1665 sob a forma de um boletim de doze páginas, onde anunciava seu objetivo de fazer conhecer "o que acontece de novo na República das letras". Thais Mendonça (Cronologia da Notícia - de 740 a.C a 2020 - II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho - 2004) conta que era vendida nas feiras e lojas, continha veleidades intelectuais e que seu objetivo era fortalecer o poder monárquico e incentivar as artes e as ciências.

Encontrei ainda alguém citando as ideias da jornalista Maria Cecília Guirado, que aponta o português Pero Vaz de Caminha como o primeiro repórter do Brasil e a sua Carta do descobrimento, escrita em 1500, a primeira reportagem na história do país. Para ela, o Diário da Navegação de Pero Lopes de Sousa (1530-1532) e o Tratado da Província do Brasil, de Pero de Magalhães de Gândavo (1576), também são textos de cunho jornalístico, já que traduziram "a realidade que brotava do aparente paraíso". Pensando assim, podemos considerar os maravilhosos relatos de viajantes estrangeiros sobre o novo continente, publicados do século16 ao 18, como livros-reportagem. Como os diários de Hans Staden, um dos personagens mais incríveis desta época e que poderia facilmente se passar por repórter. Houveram muitos outros viajantes por estas bandas nestes primeiros séculos de Brasil. A Biblioteca da Câmara tem uma ótima seleção, alguns ricamente ilustrados e pelo menos um, Abbildungen zur Naturgeschichte Brasiliens / Recueil de planches coloriées d'animaux du Brésil, do príncipe e naturalista alemão Alexander Philipp Maximilian, (1782 - 1867), publicado em fascículos.

No Brasil, Euclides da Cunha é apontado por muita gente como o primeiro repórter, por conta da sua cobertura da guerra de Canudos para o Estadão, que posteriormente resultaria no romance Os Sertões, considerado uma obra prima da literatura nacional. Mas na época em que Euclides trabalhava como repórter (ou colunista) para o Estadão, muitos outros faziam o mesmo - as vagas das redações nesta época eram divididas entre jovens escritores e aspirantes a políticos. E todos registraram os impactos dos avanços tecnológicos que aceleravam a vida na virada do século: Euclides escreveu que estávamos “condenados ao progresso”, sob o risco de desaparecermos enquanto nação; João do Rio, também por meio de reportagens e livros, denunciou as más condições de vida e trabalho de grande parte da população, que permaneciam a despeito deste progresso; Olavo Bilac enalteceu os tempos modernos, ao mesmo tempo que os temia.

E antes de todos eles, na última década do século 19, Machado de Assis faria a definição mais precisa do impacto desta aceleração tecnológica nos prolixos textos até então publicados nos jornais: “não tínhamos ainda esse cabo telegráfico, instrumento destinado a amesquinhar tudo, a dividir novidades em talhadas finas, poucas e breves”. José de Alencar, Raul Pompéia, Castro Alves, entre outros, foram seus colegas e ganharam destaque ocupando, muitas vezes, cargos como redatores e chefes de redação.

Nesta seara, acabei reencontrando * o professor José Marques de Melo, que descreve o nascimento e a evolução do jornalismo no Brasil em "Pensamento Jornalístico: a moderna tradição brasileira", leitura que me absorveu por completo e encerrou este dia de estudo.


* Conheci o professor Marques de Melo nos anos de 1980, ainda na faculdade, por conta de um Encontro de Comunicação que estava organizando, e de que ele participou. Hospedado nas repúblicas dos estudantes, ele terminou muito amigo de todos e manteve o contato conosco até a formatura.



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