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O TEMPO É VERTICAL

LILIAN PRIMI 

Escrito para avaliação de desempenho na disciplina Diálogos Interculturais I - Diversitas – FFLCH/USP - janeiro de 2021 

   A primeira vez que me vi diante de um computador num ambiente de trabalho foi no final da década de 1980, na redação da Folha de S. Paulo. Como uma das aprovadas na seleção que formou as redações dos já há muito extintos cadernos regionais, fui treinada pela empresa para usar o programa de edição, e isso bastou para que eu me adaptasse. Nesse momento, a automação nas redações apenas substituiu máquinas de escrever pelo PC, diferentemente do que ocorreu nas gráficas. Ali, o primeiro loop da automação – para lembrar Nicolau Sevcenko – varreu logo de cara uma seção inteira (a do past-up e montagem) quando permitiu que o desenho da página pudesse sair da mesa – ou melhor, da tela - da diagramação para o fotolito, da mesma forma que o CD tirou de cena fitas cassetes e de vídeo tape. Hoje, vários loops depois, nem fotolito precisa mais e na área audiovisual, o celular tem substituído a câmera e o gravador de voz, em alguns aspectos com vantagens.

   No início dos 90, porém, a automação para o jornalista significava uma tela preta e verde fluorescente (ou branco, dava para escolher) do ambiente DOS (antes das maravilhosas janelas do Windows), onde o texto corria balizado por uma lista de comandos que só faziam sentido para os nerds. De resto, dependíamos do telefone para falar com as fontes (celular ainda não existia), e de contatos diários com elas para nos manter dentro da pauta. Os funcionários de grandes veículos, como a Folha de S. Paulo ou o jornal O Estado de S. Paulo, contavam com um arquivo organizado e arquivistas dispostos a ajudar nas pesquisas, mas no geral, sequer havia um arquivo para consultar.

  Depois de treinada, fui enviada a São José do Rio Preto, na região Norte do Estado de São Paulo, onde tínhamos de nos revezar nos terminais da redação para escrever, já que não havia equipamento para todos. E no fechamento, eles eram integralmente dos editores e esta precariedade, se dizia, era a mesma na sede. Assim, em 1990, há pouco mais de três décadas, os PCs só apareciam no cotidiano da redação no final do expediente, nas horas tensas e frenéticas do fechamento do caderno. Para que houvesse um texto, eu tinha de ligar diariamente para as principais fontes – prefeitura, câmara, delegacia, hospitais, bombeiros, defesa civil e as instituições de justiça e acadêmicas que por ventura existissem – de Santa Fé do Sul, no extremo Noroeste do Estado, numa tríplice fronteira com Minas Gerais e Mato Grosso do Sul; e de outras sete cidades do seu entorno que me coube cobrir.

  O editor dividiu a região onde o caderno circularia entre os repórteres, assim, cada um tinha a sua lista de cidades e a checagem diária criava uma dinâmica que invariavelmente abria portas, permita relações de troca e criava oportunidades únicas, para o bem e para o mal. Embora essa tenha sido uma estratégia do editor para contornar a falta de braços na equipe, era mais ou menos assim em todas as redações. Para se dar bem, qualquer repórter precisava estar nos mailings das principais assessorias de imprensa – no meu caso, na de políticos que mantinham sua base em Santa Fé, por exemplo -; e manter uma agenda de telefone atualizada e completa (ao menos da área que está ou pretende cobrir) bastava para garantir a “boa rede de contatos”, até hoje essencial para quem ganha a vida lidando com informação.

   A experiência no caderno regional da Folha em São José do Rio Preto, no entanto, durou pouco. Três meses e três dias, o que me deu direito a verbas rescisórias completas. Naquele primeiro ano da década de 1990, nenhum jornal que se pretendia sério, atrevia-se a não assinar a carteira de trabalho de um jornalista. Eu partiria de lá, recém-casada e em um fusca 72 – aquele, do painel coberto com contact imitando madeira – em direção ao Sul do País, fugindo das carretas da BR-101, que ainda não havia sido duplicada, por estradas madeireiras que atravessam os morros da Serra do Mar da divisa entre São Paulo e Paraná até Blumenau, em Santa Catarina, a primeira parada. Essa, por bem menos de três meses.

   A redação em Blumenau do Jornal de Santa Catarina, onde encontramos vagas para os dois (meu marido também é jornalista) era dirigida por um general, que havia demitido a redação inteira depois de uma greve e contratado a turma de formandos de uma faculdade de comunicação de Ponta Grossa. Contratados como editores, fomos colocados no primeiro dia diante da turma, todos sentados em suas mesas, dispostas como uma sala de aula, nos olhando assustados e perdidos.

   Saímos dali no final do dia direto para Florianópolis – onde moramos em idílio hemingwayano por oito meses - e depois, de volta para São Paulo e de volta para estrada, agora em direção à Minas Gerais, com períodos curtos de trabalho como repórter nos jornais locais e sempre financiados pelas verbas rescisórias. Florianópolis era especial – trabalhávamos das 14 às 19 horas de segunda a sexta-feira e conseguíamos cumprir a pauta (duas materinhas por dia, mais a especial do fim de semana) sem estresse.

   A única explicação que tenho para isso é a ausência de intermediários nos contatos com as fontes, como secretárias, assessores de imprensa ou de gabinete. A gente ligava e a autoridade atendia. Muito bom, porque além de resolver a pauta rapidamente, aquela dinâmica do bem que citei acima ficava potencializada.

  Porém, se caísse um avião depois das 18 horas, o editor ia deixar na pauta para o dia seguinte. Porque depois das 18 horas ninguém saia da redação. Porque a gráfica precisava de tudo pronto até às 20 horas e isso era mais importante do que a queda do avião. De Floripa, para Joinville – lá o CEO da Cônsul foi trazido pelo diretor da redação, que era o filho do dono do jornal, o A Notícia – e colocado ao meu lado para que me ajudasse a escrever o texto. Uma matéria sobre o mercado da linha branca. De lá fomos para um período de monetização em São Paulo e voltamos para a estrada, alguns meses depois, em direção a Minas Gerais.

   Vivemos sete anos assim, de cidade em cidade e com todos os nossos pertencentes perfeitamente acomodados dentro do fusca. E bem longe de computadores, que só existiam nas grandes redações da capital. Até que decidimos ter um filho. Isso implicava em nos fixar em São Paulo e abandonar a reportagem por,M pelo menos, cinco anos. Rotina de criança não se encaixa na de um repórter, ao contrário. Uma impede a outra. Ponto. E salário pago pelos jornais do Interior não sustenta uma família.

   Fui para a divulgação da TV Cultura, quando a emissora era referência na programação infantil e educativa. O RH esticou até o limite o período de experiência e só me registrou seis meses depois. O ano era 1995 e o mundo digital começava a se expandir nas redações com a popularização dos e-mails de forma muito rápida. Quando fui contratada na emissora, mensagem por computador era algo muito distante, “coisa de pesquisador”, e nos revezávamos para ajudar a garota “do administrativo” na hora de imprimir, dobrar, envelopar e etiquetar os releases com a programação, distribuídos uma vez por semana para os principais veículos. Quando meu filho nasceu, em 1997, estávamos considerando a possibilidade de suspender de vez o release impresso, em favor da distribuição exclusiva por e-mail.

 

TRISTES FILHOS DOS ANOS 90 

Me demiti no final da licença maternidade e quando finalmente decidi retomar meu trabalho, em 1999, nada mais era como antes. As redações estavam sendo varridas pelo primeiro grande tsunami da web, que tirava profissionais de redações tradicionais e os levava para montar os primeiros portais de imprensa da rede, “ao preço do seu peso em ouro”. Há dois anos fora do mercado e com um PC 386 trocado com meu irmão pelo piano que perturbou minha infância e adolescência – troca de que me arrependo imensamente -, me vi novamente diante da tela de um computador, agora uma grande janela para o mundo. Para o meu desespero, sem saber o que (ou como) fazer.

  É preciso entender o que significavam exatamente as possibilidades abertas pela rede mundial de computadores para um jornalista na virada dos anos 2000. E o quanto ele teria de aprender e mudar para continuar trabalhando. Os anos de 1990 marcaram a consolidação da imprensa – em especial a TV – como a grande influenciadora das massas, e de eleições. Há inúmeros estudos que investigam como isso ocorre, como o Manchetômetro, painel de análise das manchetes publicadas pela mídia, produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e também que identificam o papel desempenhado pela mídia nas disputas de poder durante o século 20, como nos mostra John B. Thompson em O Escândalo Político. Poder e Visibilidade na Era da Mídia (Ed. Vozes – 2002).

   Por razões que só ocorrem aqui no Brasil, temos uma imprensa hegemônica em que todo jornal é um produto feito para a classe A, como admitiu Rui Mesquita, (o último da família a dirigir o Estadão) em uma reunião interna pouco antes de morrer. A palavra de ordem nas redações na década de 90 era na verdade, um mote: “prestação de serviços”, repetido como um mantra para os que faziam parte do “baixo clero” (repórteres que produziam as notícias publicadas abaixo da dobra das páginas dos cadernos diários, ou nos suplementos semanais), pois era essa informação banal e corriqueira, sobre o que fazer com seus filhos nas férias, onde descartar a pilha usada, ou onde a gasolina está mais barata que pagava o custeio do jornal. Esse era o cotidiano de trabalho numa redação. Muito chato, principalmente para o baixo clero (a maioria, na verdade), que ficava fora das coberturas mais sensíveis.

   As empresas de comunicação já experimentavam alguma dificuldade financeira, e embora ainda fosse possível se manter sobre as pernas com os famigerados cadernos especiais (de qualquer coisa, desde que fosse vendável); e com as promoções tipo “compre o jornal e leve um CD, mais dois ingressos para o teatro e um vale-refeição”, o horizonte se mostrava cada vez mais negro e nebuloso. As capas de caderno já não eram mais território proibido para publicidade – vendiam até a primeira capa -, mas eles ainda existiam (os cadernos) e as edições de domingo, embora com um número não tão insano de páginas como nos áureos tempos dos classificados – já totalmente anulados pela web -, ainda vinham mais pesadas que o usual por causa dos brindes.

   O aparecimento dos primeiros portais de informação na rede mundial de computadores era uma ilha ensolarada neste horizonte turbulento e ameaçador, trazendo esperanças para todos. Afinal, um domínio na Fapesp custava R$ 50,00 por ano e o acesso à rede podia ser feito de graça, pelo IG, o primeiro provedor de internet a oferecer acesso grátis no Brasil. De forma que publicar um jornal passou a custar quase nada.

   Matinas Suzuki Jr, jovem talento da Folha e um dos sócios fundadores do IG, promoveu uma devassa nas redações de Campinas, por exemplo, quando montou a redação do Último Segundo, o primeiro site de conteúdo do provedor, o primeiro desenhado e formatado para distribuir notícias na rede. Matinas tinha por trás forte campanha publicitária dirigida por Nizan Guanaes, também sócio fundador e um nome importante no mercado publicitário, e financiamento dos grupos GP Investimentos (Telemar) e Opportunity (Brasil Telecom). Conseguia assim oferecer salários mais de duas vezes acima do que se pagava nas redações tradicionais – que também estavam montando os seus portais, porém como uma cópia virtual da sua versão impressa.

   Do ponto vista editorial, a proposta era insana e levou muitos ao adoecimento. O objetivo era publicar tudo antes de todos, um segundo depois que o fato acontecesse, por isso o nome “Último Segundo”. A organização das chamadas como uma versão virtual dos letreiros luminosos, que nos primórdios da imprensa anunciavam a manchete da próxima edição, tornou-se padrão e, com o nome de “Últimas notícias”, se repete hoje em praticamente todos os sites que pretendam oferecer notícias, gerais ou segmentadas, mas essa proposta editorial não deu o resultado esperado com o público. A falta de checagem – não havia tempo -problemas com informações erradas eram inevitáveis.  

    Nesse cenário, ao buscar uma vaga, recebi proposta para criar uma página agrícola para o Cosmo, portal de notícias criado pelo jornal Correio Popular, de Campinas. Meu marido trabalhava como repórter no jornal impresso do Correio e uma grande amiga, a Wanda Jorge, que conheci quando ainda era foca no Diário do Povo, tinha assumido a direção do portal e procurava uma forma de levar conteúdo em quantidade necessária para o funcionamento minimamente relevante do portal com a verba irrisória (quase nenhuma) destinada pela direção ao novo projeto. Que na cabeça dos diretores, nada mais era do que um novo tipo de “caderno especial”. Aquele tradicional caça-níquel com que eles contavam para se manter em pe. Só que não era bem isso.

   A proposta explorava o sonho utópico de todo jornalista, de ser dono do espaço onde publica seus textos. Eu deveria montar um site – comprar o domínio na Fapesp, criar um projeto editorial com editorias e logos, desenhar, editar e publicar as páginas. Esse site seria de minha propriedade e total responsabilidade. O Correio iria abriga-lo em seu servidor como contrapartida ao conteúdo oferecido, já que ele seria incorporado ao portal do jornal. O acordo incluiu também a liberação de acesso discado à rede e assistência técnica. O ganho financeiro viria da venda de anúncios, que seria feita inicialmente pela equipe de contatos do jornal.

   Sem saber direito como seria essa venda de publicidade na rede – mesmo com uma visão ainda muito ingênua, achava impossível simplesmente usar o mesmo modelo de financiamento dos impressos nos virtuais –, só comecei a trabalhar realmente quando a Wanda conseguiu aprovar um pró-labore mínimo, já que eles não estariam simplesmente abrigando um veículo meu. Na verdade, eu estava criando um veículo – o Agronauta, que por três anos e meio cobriu o setor agrícola principalmente do interior de São Paulo – por encomenda do portal.

  Feito o acordo, me sentei diante do computador e com acesso à rede, comecei a procurar informações sobre como criar um site. Não havia o Google que conhecemos hoje, Youtube não existia nem como uma possibilidade e os designers que trabalhavam com a Wanda – e que deveriam me auxiliar – não davam conta de atender a todos. Além de mim, a proposta atraiu (mesmo sem o prolabore) outros nove jornalistas da cidade, todos eles animados por poder colocar na rua, o velho sonho de ter um jornal “para chamar de seu”. Depois de alguns equívocos – como tentar montar um site com o Word – e graças a uma cópia pirata do FrontPage, um dos primeiros softwares para criação de site, consegui montar a primeira versão da página, que virou um portal agrícola

dentro do portal do jornal e começou a funcionar antes do final do ano.

 Na redação do IG, os colegas contratados com altos salários no início do ano já estavam na rua, vítimas da bolha que atingiu o mercado da internet e que mudou os planos dos investidores do IG. Os jornalistas chegaram ao final da década de 1990 com o primeiro celular nas mãos e chantageados pela realização de um sonho: quem criou um site descobriu que teria trabalho 24 horas por dia se quisesse ter leitores, sem nenhum ganho. Tirei o Agronauta do ar quando a nova direção do portal cortou o meu prolabore.  

 

DE VOLTA PARA A ESCOLA

  Se os anos de 1990 foram os do celular e da construção dos sites de conteúdo na rede mundial de computadores, a primeira década dos 2000 ficará para todo o sempre marcada pela gênese das redes sociais. O já “descontinuado” Ourkut abriu caminho para uma rede de comunicação que destruiu de forma definitiva qualquer possibilidade do antigo modelo de negócios da mídia, baseado na cobrança pelo acesso à informação, continuar funcionando. Porque permite que o público tenha acesso direto à fonte, alterando aquela dinâmica criada com o contato diário, de troca. Empresas e políticos não precisam mais da mídia para se conectar com o seu público. Começavam também os primeiros testes com inteligência artificial, que mais à frente, iria limitar o alcance dos motores de busca na rede às áreas de interesse do usuário, baseado na sua navegação, analisada por um algoritmo: os robozinhos, ou “bots”. Hoje esses bots já escrevem matérias, principalmente hard news e informações sobre serviços.

    Eu tinha um plano desde a minha primeira experiência na rede, em 1999. A ideia de que a rede poderia ter sim, uma grande vantagem para o jornalismo, no entanto, permanecia no horizonte. Meu plano era voltar para a escola para fazer um mestrado e me qualificar para a carreira acadêmica, que foi desde sempre o meu plano B para trabalho no período da velhice.  Hoje, com Jair Bolsonaro no poder e o movimento Escola Sem Partido em expansão, é um plano muito ruim, inviável, mas quando eu entrei no mestrado, em 2013, quase junto com o início como repórter da Caros Amigos, não era de todo ruim. Tive a primeira experiência como professora já no segundo ano, no curso técnico de mídias da Fecap, onde dei aulas durante o ano de 2014 em dois dias da semana para as turmas do primeiro ano. Não foi bom.

   O mestrado já começou com perdas – do orientador que eu havia escolhido. Fiquei no mesmo grupo, de pesquisadores dedicados à História da Ciência, porém sem a orientação de Nicolau Sevcenko, meu projeto era apenas uma pretensão, beirando o ridículo. Com três atividades me exigindo atenção – a Caros, o mestrado e as aulas na Fecap -, o que sobrou na memória desse período é um tanto confuso. Mas fiz algumas descobertas interessantes. Vou listar:

1 – Sobre a ideia de que o trabalho enobrece: adorei a forma que Paul Lafargue encontrou para mostrar que se tratava de uma grande mentira, pregada pelos patrões com as bênçãos da Igreja e da Academia, em favor do Capital. Ele pede aos seus leitores que observem primeiro dois cavalos, o primeiro puro sangue e o outro, de serviço. Depois segue sugerindo o mesmo tipo comparação entre pessoas. É um argumento imbatível, definitivo.

2 – Sobre a origem dos álbuns de bebês: descobri, aliviada, que esses cadernos fofos e que eram moda nos anos de 1960, eram um instrumento de classificação de pessoas criado pelos eugenistas. Para que quando fossem adultos, pudessem compará-los com os seus pretendentes e assim, garantir o melhoramento da espécie. Me senti aliviada, porque carregava uma certa mágoa por meu álbum não estar completinho como o do meu irmão, que era um ano mais velho.

3 – Descobri a música das esferas, uma poesia astronômica que fez com que me perdesse entre as estrelas, e gastasse o tempo que não tinha para conhecer a história de Johannes Kepler: ele é o astrônomo que formulou as três leis fundamentais da mecânica celeste, as Leis de Kepler, publicadas em 1619 e aceitas até hoje. Se fosse dar uma explicação bem tosca, poderia dizer que ele colocou numa partitura musical, as notas que cada planeta tocaria se houvesse uma corda ligando o sol aos planetas.

   Eu tinha também uma divergência básica com a grande maioria dos pesquisadores da área de humanas – e do campo da esquerda – a respeito do que significava a possibilidade de comunicação em tempo real. Uma pretensão, é verdade, mas livre pensar é só pensar, então, ao contrário de praticamente todos os professores e orientadores à minha volta, defendi que esse seria um momento inédito na história da humanidade, de democratização do acesso à informação e ao conhecimento e eu anunciava essa crença como se fosse uma verdade óbvia a cada vez que ia explicar o meu projeto de pesquisa. Boa parte de quem ouviu parou de prestar atenção ao que eu dizia. E os que se dignavam a me responder, assumiam a meu ver, uma posição parecida à de padres, pastores e acadêmicos do século 17 diante dos hábitos de quem trabalhava orientado por tarefas (THOMPSON, 1998)

   Não vou entrar nessa discussão aqui – esse deve ser o tema de outro ensaio, que vai ter o título: “nem só de pancadão vive a quebrada no século 21” -, mas passei os dois anos de mestrado em busca de uma bibliografia que me ajudasse a compreender as mudanças que experimentava no meu cotidiano como repórter, bastante diferente do que eu tinha vivido até então, e obcecada por entender melhor o Tempo. Na verdade, como foi que chegamos a divisão de tempo que determina a nossa vida hoje – tempo de trabalho e tempo de casa, tempo de casa e tempo de diversão. E que está sendo subvertido pela tecnologia.

    Encontrei a primeira luz já no final do período, quase no limite de prazo para a qualificação, em Sociedade em Rede, de Manuel Castells. A primeira coisa que li foi o registro de sua apresentação em um seminário promovido em 2005 pelo presidente de Portugal, Jorge Sampaio e organizado por ele. Neste texto, a determinada altura, Castells ilumina o caos em que eu estava trabalhando desde o final dos anos 90:

“Com a difusão da sociedade em rede, e com a expansão das redes de novas tecnologias de comunicação, dá-se uma explosão de redes horizontais de comunicação, bastante independentes do negócio dos media e dos governos, o que permite a emergência daquilo a que chamei comunicação de massa autocomandada. É comunicação de massas porque é difundida em toda a Internet, podendo potencialmente chegar a todo o planeta. É autocomandada porque geralmente é iniciada por indivíduos ou grupos, por eles próprios, sem a mediação do sistema de media. A explosão de blogues, vlogues (vídeo-blogues), podding, streaming e outras formas de interactividade. A comunicação entre computadores criou um novo sistema de redes de comunicação global e horizontal que, pela primeira vez na história, permite que as pessoas comuniquem umas com as outras sem utilizar os canais criados pelas instituições da sociedade para a comunicação socializante.”

 (A Sociedade em Rede - Do Conhecimento à Acção Política. Conferência promovida pelo Presidente da República. Organização: Manuel Castells e Gustavo Cardoso. Lisboa, 2005)

      A obra toda – A Sociedade em Rede, primeiro volume da trilogia A Era da informação: Economia, sociedade e cultura, publicada aqui pela Saraiva em 2016 – só iria ler depois da apresentação da minha dissertação, mas mesmo antes disso, Castells já havia aberto os meus horizontes e acalmado a minha ansiedade.

   Sobre o tempo, só fui encontrar realmente o que procurava agora, na primeira aula do programa de doutorado, que tratou de dois textos de E. P. Thompson. Eu já tinha lido Thompson no mestrado, mas escolhi a longa Formação da Classe Operária Inglesa que fui lendo por partes e nos intervalos, pesquisando a biografia do autor, acabava esbarrando em outros textos dele e no final, não conseguia lembrar onde tinha lido o que. Os hábitos e costumes do operariado inglês no século 17 está, na verdade, em Costume em Comum, que apareceu na bibliografia da primeira aula do doutorado que cursei agora, em 2020, só que no capítulo 6, (Tempo, Disciplina do Trabalho e Capitalismo Industrial). Nele Thompson nos conta como esses hábitos, antigos e arraigados, foram sendo mudados, até que o tempo fosse transformado em dinheiro. Ele explica que na época das manufaturas domésticas, a orientação do trabalho era pelas tarefas e não havia separação entre tarefas domésticas ou de trabalho. “As relações sociais e o trabalho são misturados — o dia de trabalho se prolonga ou se contrai segundo a tarefa—e não há grande senso de conflito entre o trabalho e ‘passar do dia’. Aos homens acostumados com o trabalho marcado pelo relógio, essa atitude para com o trabalho parece perdulária e carente de urgência.” (THOMPSON, e.p., 1998. P-271-272).

   Ele segue mostrando como padres e educadores contribuíram para inculcar o “uso-econômico-do-tempo” usando sermões e as escolas e recolhe, como exemplo, poemas e publicações populares em que moralistas e mercantilistas do século 17 lamentavam e satirizavam o ciclo irregular da semana – ou mesmo do ano – de trabalho. Descobri nesse texto a origem do sentimento de desconforto que a segunda-feira provoca em grande parte dos trabalhadores até hoje: é que na divisão por tarefas, o trabalho poderia ser adiado ou antecipado, mas as segundas-feiras eram consideradas “dia santo”. A santa segunda-feira era reservada mais comumente para fazer compras e negócios pessoais e isso se manteve como um hábito – reprovável pelos valores capitalistas - até o século 20.

  O autor entende que em “uma sociedade capitalista madura, todo o tempo deve ser consumido, negociado, utilizado;” e que as “sociedades industriais maduras de todos os tipos são marcadas pela administração do tempo e por uma clara demarcação entre o ‘trabalho’ e a ‘vida’. (THOMPSON, e.p., 1998. p. 295). A compreensão de como se deu essa transformação da percepção do tempo como um investimento é mais do que necessária agora, quando a automação promete reduzir o tempo de trabalho, fazendo com que sobre mais tempo livre. “Se vamos ter mais tempo de lazer no futuro automatizado, o problema não é ‘como as pessoas vão conseguir consumir todas essas unidades adicionais de tempo de lazer?’, mas ‘que capacidade para a experiência terão as pessoas com esse tempo livre?”. (THOMPSON, e.p., 1998. p.302).

    Na aula seguinte, a professora Doris Aciolly me daria a chave que poderá ajudar a compreender a mais assustadora e odiosa sequela das redes sociais com comunicação em tempo real e IA, que são as mentiras e calúnias distribuídas “face to face” por meio de memes. Se o conceito das sociedades em rede trouxe luz para as novas formas e possibilidades de organização social, os conceitos de estruturas de sentimento e materialismo cultural de Reymond Willians apresentados por Dóris, parecem dar um sinal sobre como é possível, no limite, convencer pessoas bem informadas e conectadas de absurdos como de que a Terra é plana, por exemplo. Ou um povo eleger políticos truculentos e notórios fascistas como Jair Bolsonaro e Donald Trump.

    Ainda não li nada de Raymond William, portanto empresto a fala de Doris para explicar, rapidamente, do que se tratam esses conceitos: “estrutura de sentimento, um conceito fugidio e acho que é isso que o Raymond quer mostrar, que permanece impalpável nas diversas épocas humanas. É palpável, mas nos escapa”, diz. E continua mais a frente: “A gente pode encontrar uma proximidade entre a ideia do Gramsci de hegemonia, e a ideia de Williams da estrutura de sentimento. O Gramsci, dentro do marxismo, mergulhou na questão dos sentimentos. Como se formam as conexões sociais entre dominados e dominadores, que formam um amálgama e que vai gerar a hegemonia. Ela é resultado da absorção de certos valores pelos setores dominantes da vida social.”

   Sobre materialismo cultural, Doris faz associações que ainda não posso compreender por não conhecer os autores citados, e relaciona com a ideia da existência de camadas de temporalidade, uma dominante, outra arcaica e residual e uma terceira, emergente. O que me levou a pensar nos resquícios da eugenia que ainda sobrevivem em hábitos que repetimos sem pensar, como o de fazer um álbum para registrar o desenvolvimento do bebê. Ou o de resguardar as segundas-feiras. “Há uma relação dialética entre as relações sociais e de produção. Materialismo para ele (William) não é algo mecanicista, não é algo puramente dado pela constituição bruta da tecnologia ou das relações econômicas. Não, as relações econômicas e tecnológicas são carregadas também de elementos e significação cultural – daí materialismo cultural”, explica.

   A associação que fiz do conceito de estrutura de sentimento assim, apenas a partir da explicação de Doris e ali durante a aula, foi com o que vem sedo definido como “ilusão da maioria”, um paradoxo de amizade das redes sociais que estudei no mestrado. “Como resultado deste paradoxo, um comportamento que é globalmente raro pode ser sistematicamente super-representado entre seus amigos (na rede social). Assim, a ‘Ilusão da maioria’ pode facilitar a propagação de contágios sociais nas redes e também explicar por que surgem vieses sistemáticos nas percepções sociais, por exemplo, de comportamento de risco”, escrevem Kristina Lerman, Xiaoran Yan e Xin-Zeng Wu na introdução do artigo A Ilusão de Maioria nas Redes Sociais (The Majority Illusion in Social Networks - USC Information Sciences Institute, 2015).

O TEMPO É VERTICAL

   Não sei se essa associação faz sentido, terei de estudar melhor, mas a ideia de Raymond William sobre as relações econômicas e tecnológicas, que eu terei de aprender e compreender com mais profundidade, provavelmente me servirá de base para a compreensão da realidade que vivemos com a comunicação em tempo real e a automação da inteligência. Doris falou também sobre outra obra, A Longa Revolução, que poderá ser de grande valia e de leitura oportuna antes da próxima etapa, quando pretendo mergulhar no estudo das novas correntes da economia descritas nas obras A economia de compartilhamento (Arun Sundararajan, Senac, 2018), e Economia donuts: sete maneiras de pensar como um economista do século 21 (Kate Raworth, 2017).

   A estrutura de sentimentos serviu também para dar sentido a sensação que toma conta da minha alma desde o mestrado, de que o tempo não corre em direção a um futuro, na horizontal, mas em um movimento vertical. Acontecimentos não “ficam para trás”, nem os valores são ultrapassados, e também não podemos “voltar” para uma realidade anterior, mas acumulam-se uns sobre os outros e o gatilho certo pode trazer à tona rapidamente, os valores da Idade Média, por exemplo. Que o digam os entregadores.

IN MEMORIAN
A comparação entre o “loop de montanha russa” e as transformações vividas no século XXI, provocadas pelo avanço da tecnologia, foi feita pelo historiador Nicolau Sevcenko, logo no título de seu segundo livro a respeito do tema - A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa (Companhia das Letras, 2001). Sevcenko foi a minha primeira escolha para orientador quando decidi voltar a estudar. Meu projeto inicial era inteiramente inspirado em Orfeu Extático na Metrópole - São Paulo nos Frementes Anos 20 (Companhia das Letras, 1992), em que ele trata pela primeira vez da aceleração do cotidiano. Ele aceitou o convite para me orientar no mestrado, mas não foi possível. Havia recentemente se aposentado e precisava esperar certo prazo para voltar ao programa da USP. Lamentavelmente faleceu antes disso.

EXPERIÊNCIA 1: NUNCA MAIS

Em 1988, como setorista de energia do extinto jornal Diário do Povo, em Campinas no Interior de São Paulo, fui escalada para acompanhar o desenrolar da crise do Proálcool. A queda dos preços do barril de óleo bruto - de US$ 30 a 40 para US$ 12 a 20 – derrubou também os subsídios que mantinham a produção em níveis suficientes, levando a uma crise no abastecimento de álcool que estourou na virada da década e que duraria por quase todos os anos da década de 1990. A briga entre governo e usineiros, muitos deles concentrados em Campinas, atraiu a atenção de jornalistas do mundo inteiro e eu perdia feio na concorrência por informações exclusivas na disputa diária com os colegas de outras redações. Um dia, já passando das 20 horas e perigosamente próxima do “deadline”, sem nada de importante nas mãos, decidi ligar uma última vez para a secretária do gabinete da presidência da Petrobras, que tinha me prometido uma conversa rápida pelo telefone com o chefe. Quem atendeu foi um senhor que se identificou como Américo, que me deu informações relevantes e precisas sobre a pauta do dia com a condição de não ser identificado. Sem poder checar e já no limite de tempo, decidi “bancar” a fonte para o editor, que hesitava em publicar informação tão relevante “em off”. No dia seguinte tudo se confirmou e a partir de então, passei a conversar diariamente com o meu amigo desconhecido Américo, sempre bem depois das 20 horas e naquele número do gabinete da presidência da Petrobras. Até hoje não sei quem era, que cargo ocupava ou porque escolheu o pequeno Diário do Povo como instrumento para a sua estratégia naquele cenário caótico e destrutivo, mas dessa forma um tanto bizarra, pude adiantar cada passo do conflito até o fim do subsídio. E servir como pauteira para os colegas dos jornais maiores, dada a pequena circulação do Diário. Hoje, “cada um tem o seu” telefone (celular) e jamais atenderá a linha fixa do gabinete e se pensar em fazer isso, poderá ver quem está ligando pelo Bina. De forma que esse tipo de dinâmica que me colocou em contato com uma fonte relevante contra todas as possibilidades jamais se repetirá. No more.

EXPERIÊNCIA 2: EM TRÂNSITO

Entre 1989 e 1996, morei em oito cidades e 22 casas diferentes, e sobrevivi me empregando como repórter na mídia local, que mesmo em capitais como Florianópolis, é formada por poucas e pequenas empresas. Geralmente ligadas a um político local, o que poderia limitar quase que fatalmente a atividade do repórter. Como “estranha no ninho”, no entanto, meu status nessas redações me permitia alguma liberdade e eu pude conhecer e contar histórias incríveis – como o cotidiano nas colônias alemãs que vivem em pequenas fazendas a 10 minutos do centro de Joinville e que “recolhem as crianças do pátio” quando passa um desconhecido, a pé ou de carro; ou a eterna e sangrenta briga de pescadores e sufistas por espaço no mar de Florianópolis: o vento que traz tainhas – produto mais valorizado da pesca local – também empurra as ondas e as pranchas dos surfistas acabam que se enroscam nas redes dos pescadores.

MEMÓRIA

Uma parte considerável e importante do trabalho de um assessor de imprensa é organizar e manter atualizado o mailing com os endereços físicos de correspondência dos veículos de comunicação, especificamente endereçado ao responsável por aprovar as pautas do veículo. E distribuir uma informação implicava em imprimir os releases; dobrá-los e depois, envelopar tudo, etiquetar e enviar para postagem em uma agência de correio. Um mailing como o da TV Cultura tinha algumas centenas de registros. Toda essa operação, mais o tempo necessário para a entrega, iria consumir pelo menos uma semana. Com a chegada do correio eletrônico, basta um clique e a entrega é em tempo real. A garota que precisava de ajuda para distribuir a quantidade gigante de releases precisou encontrar outra tarefa para não perder o emprego. Algo possível. For now.

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MÍDIA HEGEMÔNICA

A forma como a TV Globo construiu a sua rede no país contribuiu para a unidade nacional, como o marketing do grupo faz questão de nos

lembrar o tempo todo, mas também garantiu ao grupo a liderança de audiência em todas as regiões do País, algo que o ministro da comunicação de Ernesto Geisel avaliava como “muito perigoso”. Geisel, no entanto, não se importou. A submissão do seu governo à Roberto Marinho fica clara na ATA DA REUNIÃO de 18 de junho de 1978 no gabinete da Casa Civil entre aquele Ministro das Comunicações que fez o alerta, Euclides Quandt de Oliveira, mais o general Golbery do Couto e Silva, que era chefe da Casa Civil na época, Armando Ribeiro Falcão, ministro da Justiça, e o empresário Roberto Marinho para tratar da expansão da rede de TV e rádio do grupo. Marinho começa lembrando dos benefícios que sua empresa havia trazido até ali para as comunicações do país e para o governo, afirma que “o comportamento da rede globo fá-la (sic) merecedora de atenção e favores especiais do governo”; exige que “em toda cidade do Interior onde a TV Globo possuir retransmissora, quando for aberto edital de televisão, ele deve ser adjucado a uma emissora Globo”; e termina com a ameaça de vender a rede e paralisar todas as atividades de educação e sociais sob sua responsabilidade caso não fosse atendido em suas pretensões.

DA WIKI – SOBRE O IG

Internet Group (conhecido pela sua sigla iG) é um provedor de acesso à Internet brasileiro de banda larga e de acesso discado à Internet, fundado em 9 de janeiro de 2000 e adquirido em 2004 pelo grupo Brasil Telecom, fundido aos portais iBest e BrTurbo, que já eram de propriedade da empresa de telefonia. Em 2010, o iG é adquirido pela Oi após a venda da Brasil Telecom. Em 18 de abril de 2012 a empresa portuguesa Ongoing anunciou a compra do quinto portal mais acessado do Brasil. O iG notabilizou-se por prover acesso discado à internet de forma gratuita, serviço que foi ofertado até fevereiro de 2016. A partir de março de 2016, passou a cobrar pela manutenção de contas de e-mails já criadas e também por novas adesões, mantidas por um plano anual de pagamento.

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EXPERIÊNCIA 3  NA REDE

Do meu primeiro site, Agronauta, sobraram apenas as cinco páginas 

salvas pelo Way Back Machine, um site que guarda a memória da internet desde 1996. Tenho cinco páginas salvas nessa biblioteca, todas com algum elemento faltando. Quando decidi tirar a página do ar, o servidor do Correio tinha sofrido um bug – eles perderam tudo o que estava lá. No caso do Agronauta, ainda tinha uma cópia integral no meu PC, mas com o prolabore suspenso – eu ganhava R$ 1,6 mil por mês, quando o piso da categoria era de R$ 3,5 mil e ainda assim, a empresa dizia que era inviável -, me recusei a recolocá-lo no servidor. Passados alguns anos, o meu PC “fritou” e eu perdi tudo de vez – a ventoinha parou de funcionar e eu não sabia que isso seria fatal. Perdi um arquivo de notícias de três anos e meio..

EXPERIÊNCIA 4: FIM AUSPICIOSO

Encerrei a minha carreira de repórter na Caros Amigos, revista que foi a mais recente tentativa de se criar um canal de comunicação de massa pelos setores da esquerda brasileira. Lançada em 1997 por um grupo de jornalistas, publicitários, escritores e intelectuais liderado pelo jornalista Sérgio de Souza, um gênio da profissão, a revista fez história em sua primeira fase com um jornalismo extremamente autoral.

Depois da morte de Sergio, em 2008, ela passaria pela sua primeira crise, em grande parte provocada pelas dificuldades de sobrevivência financeira do projeto, que o grupo enfrentava desde o começo. Wagner Nabuco, que terminou ficando com a revista, vinha da área comercial da Abril e acreditou piamente que poderia manter a revista aplicando as boas práticas aprendidas num dos maiores e mais poderosos grupo de comunicação do país. Não fosse as redes sociais, talvez tivesse conseguido. Seja como for, minha carreira de repórter foi encerrada de forma auspiciosa: na Caros pude publicar todas as pautas que não consegui emplacar nos dez anos que passei no Estadão. E três delas foram premiadas. A Caros Amigos também publicou um trecho da gravação que fiz de uma aula do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski para alunos de Direito da USP, em que classificou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como um “tropeço na democracia”, daqueles que o país tem a cada “25, 30 anos”. Lewandowski tinha presidido a seção e a minha nota, assinada e acompanhada da gravação. foi a manchete do dia na imprensa mundial.

PAUL LAFARGUE

“Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças de Rothschild,

servido por uma criadagem de bímanos, com a pesada besta das quintas normandas que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no celeiro a colheita dos cereais. Olhem para o nobre selvagem, que os missionários do comércio e os comerciantes da religião ainda não corromperam com o cristianismo, com a sífilis e o dogma do trabalho, e olhem em seguida para os nossos miseráveis criados de máquinas.” – Escrito na prisão de Sainte-Pélagie em 1883

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SOBRE MÚSICA DAS ESFERAS Da Wiki

"La terra canta Mi, Fa, Mi: potete dedurre persino dalle sillabe che in questo mondo non vi è che Miseria e Fame"
(Kepler, Harmonices Mundi, cap. V)

 

Kepler divide Harmonices Mundi em cinco longos capítulos: o primeiro fala de polígonos regulares; o segundo da congruência de figuras; o terceiro da origem das proporções harmônicas na música; o quarto das configurações harmônicas da astrologia; e o quinto da harmonia dos movimentos dos planetas. Enquanto filósofos medievais falavam metaforicamente da "música das esferas", Kepler descobriu harmonias físicas no movimento planetário. Ele encontrou que a diferença entre as velocidades angulares máxima e mínima de um planeta em sua órbita se aproximam de uma proporção harmônica. Por exemplo, a velocidade angular máxima da Terra medida do Sol varia em um semitom (proporção de 16:15), de mi para fá, em seu apoastro. Vênus varia muito pouco, 25:24 (em termos musicais, uma diese).

Vários músicos fizeram arranjos com essas pautas. Separei duas:

Do músico Willie Ruff, professor da Escola de Música de Yale e fundador da Duke Ellington Fellowship, em Yale em 1972.

Da pesquisadora italiana  Anna Lombardi, com música de Arcangelo Di Donato

POEMA SATÍRICO PUBLICADO EM 1639

Sabemos que a segunda-feira é

irmã do domingo;

A terça-feira também;

Na quarta-feira temos de ir à igreja e rezar;

A quinta-feira é meio-feriado;

Na sexta-feira é tarde demais para começar afiar;

O sábado é outra vez meio-feriado

 (You know that Munday is Sundayes brother;/ Tuesday is such another;/ Wednesday you must go to Church and pray;/Thursday is half-holiday;/ On Friday it is too late to begin to spin;/The Saturday is half-holiday again.)

THOMPSON, e.p., 1998, p.281

CONSELHO AMIGÁVEL AOS POBRES

(Friendly advice to the poor)

Reverendo J. Clayton, “escrito e publicado a pedido dos antigos e atuais funcionários da cidade de Manchester’’ em 1755.

“Se o preguiçoso esconde as mãos no colo, em vez de aplicá-las ao trabalho; se ele gasta o seu tempo em passeios, prejudica a sua constituição pela preguiça, e entorpece o seu espírito pela indolência então ele só pode esperar a pobreza como recompensa.

THOMPSON, e.p., 1998. p. 292

SOBRE O HÁBITO PREGUIÇOSO DE PASSAR A MANHÃ NA CAMA:
“A necessidade de levantar cedo forçaria o pobre a ir para a cama cedo; e com isso impediria o perigo de folias à meia-noite”. O hábito de levantar cedo também “introduziria uma regularidade rigorosa nas famílias, uma ordem maravilhosa na sua economia”.

THOMPSON, e.p., 1998. p. 292)

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